É comum a resistência das pessoas em geral quando se trata do nosso sistema tributário, afinal a complexidade que lhe é própria figura como seu elemento de primeira impressão, o que implica em um distanciamento.
E isso tem razão de ser.
O Brasil tem por caráter a descentralização de legislação tributária, com diferentes alíquotas para estados e municípios, o que, apesar da autonomia, confere um volume vastíssimo de regras que muitas vezes se apinham, gerando sobreposição de competências, com direito à instabilidade decorrente das alterações frequentes.
O resultado disso pesa mais para o lado do contribuinte, que suporta uma carga tributária de cerca de 32% em um país cujo retorno em benefícios públicos é deficitário.
Por óbvio, o direito não é indiferente ao assunto e, correspondendo à uma expectativa já de longa data, foi aprovada a Lei nº 214/2025 em janeiro deste ano, que ficou conhecida popularmente como “Reforma Tributária”. O termo é auto explicativo de sua missão, a de reestruturação do atual regime tributário. Nesse sentido, convém a descrição elucidativa, em especial, da nova estrutura que ficou estabelecida na redação da lei e das suas prognoses.
A ousadia estrutural se dá majoritariamente no campo da tributação sobre consumo — IPI, Pis, Cofins, ICMS e ISS, que estão embutidos nos produtos e que pagamos indiretamente — , embora haja mudanças suaves nos tributos sobre o patrimônio — IPVA, IPTU e ITCMD, por exemplo. O que a reforma tributária estabelece é a extinção dos cinco impostos de consumo e, em contrapartida, a criação de três novos, a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal e o Imposto Seletivo (IS), de competência federal.
O CBS e o IBS são tributos que incidirão sobre as mesmas hipóteses, bens e serviços, e terão as mesmas bases de cálculo. A soma de suas alíquotas resulta no chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que terá uma alíquota única, cuja previsão é de 28%. Essa é uma proposta cuja pretensão, por si só, já altera a rota do regime tributário atual.
Porém, existem diferenças entre esses impostos irmãos. Enquanto o CBS tem por destino o custeio da seguridade social — cujo tripé é saúde, previdência social e assistência social — o IBS incidirá sobre a circulação de bens e serviços como um todo.
Em especial, o IBS contará com a regulação mediante o “Comitê Gestor”, uma entidade nova, com independência técnica, administrativa e orçamentária e que não se submeterá à subordinação hierárquica de qualquer órgão da administração pública¹. Isso devido a outra grande novidade da reforma, o IBS é o primeiro tributo da história do direito tributário que não é destinado a um único ente federativo (salvo a breve EC nº 18/1965) isto é, tem competência compartilhada entre os estados e municípios².
O ponto mais badalado em relação à reforma tributária é o imposto seletivo, que se popularizou como “imposto do pecado”. O “IS” é de competência federal e tem por finalidade o desincentivo ao consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente mediante o aumento da alíquota para determinados produtos, como cigarro e bebidas alcoólicas, por exemplo. Importante frisar que o imposto seletivo incidirá somente sobre as importações, havendo isenção para as exportações.
Substituindo o atual IPI, o imposto seletivo começará a valer a partir de 2027, na medida da extinção do imposto precedente. Nessa toada, a lei prevê uma longa transição a partir de janeiro de 2026 até 2033, com os respectivos aumentos na alíquota do CBS, IBS E IS e consequente redução das alíquotas daqueles que serão extintos.
Porém, a efetivação plena tem previsão somente para se completar em 2077³, em consideração à drasticidade das alterações no regime de tributação.
Tendo em vista o panorama estrutural, urge a discussão acerca dos prognósticos que advém da Lei nº 214/2025.
A expectativa inicial popular tende a ser a redução dos impostos. Esse não é o objetivo, apesar de que pode despontar como um efeito colateral — pelo que se prevê a padronização da alíquota única do IVA em cerca de 28%. O propósito é a descomplicação, a conversão de um complexo conjunto de legislações tributárias em um sistema mais transparente e acessível.
O que se infere, em uma perspectiva realista, é, por exemplo, o fim da guerra fiscal. Essa propensão é fruto do mecanismo de cobrança do IBS no “destino”, em substituição ao atual ICMS cobrado na “origem”. Convém recordar que, quando da Constituição de 88, os estados receberam autonomia para a fixação das alíquotas do ICMS, o que os conduziu a fixar porcentagens reduzidas entre si — os benefícios fiscais — com o intuito de angariar empresas, as quais recolhem o imposto para o estado vencedor, no qual se estabeleceram.
Com a reforma, isso deixa de existir, já que o novo IBS é arrecadado em favor do estado de destino do produto. Assim, a perspectiva é de um retorno à saturação no Sul e Sudeste⁴, que abrigam a maior parte do mercado consumidor do país. Essa é uma das repercussões da Lei nº 214/2025 que, embora tenha previsão de ocorrência gradual durante os próximos 50 anos, merece perquirição futura por parte dos juristas.
Por fim, sem a intenção de esgotar a discussão sobre o tema, é relevante abordar o cashback para pessoas de baixa renda. A lei prevê que haja 100% de retorno para a CBS e 20% para o IBS exclusivamente para os seguintes itens: (I) aquisição de botijão de até 13 kg de gás liquefeito de petróleo; (II) nas operações de fornecimento domiciliar de energia elétrica; (III) no abastecimento de água, esgotamento sanitário e gás canalizado; e (IV) nas operações de fornecimento de telecomunicações. Para os demais itens, o cashback será de 20% tanto para CBS como para IBS.
Sob esse olhar para a Lei nº 214/2025, é possível concluir que o Brasil inicia um novo ciclo tributário, com o objetivo de aproximar o cidadão comum da lógica tributária, tornando o sistema mais transparente, previsível, menos burocrático e, quem sabe, menos oneroso, cujo sucesso dependerá da implementação eficiente da lei para sustentar as transformações propostas. Na prática, o futuro dirá se a reforma tributária será, enfim, um avanço real ou apenas mais um capítulo na longa história da tributação brasileira.
Referências
[1] BRASIL. Lei Nº 214, de 16 de janeiro de 2025. “Art. 480. § 1º O CGIBS, nos termos da Constituição Federal e desta Lei Complementar, terá sua atuação caracterizada pela ausência de vinculação, tutela ou subordinação hierárquica a qualquer órgão da administração pública.” Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2025.
[2] RIPODI, Leandro. Competência compartilhada na Emenda Constitucional Nº 132/2023 (Reforma Tributária). Revista Tributária e de Finanças Públicas, Nº 159, p. 125-126, 2023. Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2025
[3] BRASIL. Lei Nº 214, de 16 de janeiro de 2025. “Art. 371. De 2029 a 2077 é vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios fixar alíquotas do IBS inferiores às necessárias para garantir as retenções de que tratam o § 1º do art. 131 e o art. 132, ambos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.” Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2025.
[4] SPERANDIO, Luiz Guilherme Gouveia. Reforma tributária e os benefícios fiscais estaduais. Migalhas, 15 fev. 2024. Migalhas de Peso. Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2025.