O teletrabalho, mais especificamente uma de suas espécies, o home office, se popularizou no Brasil a partir da necessidade de sobrevivência dos postos de trabalho face à pandemia da Covid-19.
A modalidade de trabalho remoto já tinha previsão legal desde 2018 (Lei nº. 13.467/17), mas contava com poucos parágrafos de regulamentação na CLT, que diziam respeito à necessidade de aditivo contratual, responsabilidade sobre os equipamentos, orientações de ergonomia e entre outros pontos tratados de forma genérica.
O grande destaque da modalidade ficava para a desnecessidade de controle de jornada, uma vez que o teletrabalho estava inserido no rol de exceções legais desvinculadas de jornada, assim como o trabalho externo e o cargo de confiança.
Não bastasse a escassez de regulamentação, com a violenta explosão de casos de coronavírus no país na primeira metade de 2020, o Poder Executivo decretou o estado de calamidade pública e aprovou uma medida provisória que flexibilizou ainda mais a adoção do regime de home office (MP 927/2020, posteriormente transformada na Lei nº 14.020/20), possibilitando que a mudança de regime de trabalho fosse realizada de forma unilateral pelo empregador, sem aviso antecipado e sem a obrigatoriedade de firmar termo aditivo ao contrato de trabalho.
Não é preciso dizer que, apesar desse cenário ter sido de grande aprendizado para as empresas na própria forma como conduziam seus negócios, tal como a redução de custos relacionados aos espaços físicos, bem como privilegiando os funcionários que gostavam de realizar seu próprio horário sem a preocupação de pegar ônibus logo cedo, os problemas começaram a surgir.
Exemplificativamente, se por um lado os funcionários começaram a reclamar da realização de horas extras sem o pagamento de adicional, os empregadores começaram a notar que o horário que o funcionário deveria estar trabalhando estava servindo para “maratonar” a 76ª temporada de Grey’s Anatomy.
Somada a tal realidade, os Tribunais do Trabalho, aos poucos, começaram a entender que a desnecessidade de controle de jornada deveria ser demonstrada pelo empregador, e não presumida, porque a CLT deveria ser interpretada em conformidade à posição hipossuficiente do trabalhador em relação às empresas.
Mas, como assim demonstrada?
Apesar da pandemia ser um evento catastrófico, é notório que a tecnologia floresce às necessidades de seu tempo e, a partir dessa perspectiva, houve o surgimento e aperfeiçoamento dos relógios de pontos digitais, tal como o software da Factorial, Tangerino, PontoTel e entre outras que não vou citar para evitar merchandising gratuito, que afastavam a alegação das empresas de ser impossível realizar o controle de jornada no teletrabalho.
Não demorou muito para que os legisladores se incomodassem com esse cenário, e criassem uma solução que, se por um lado não descaracterizasse o teletrabalho, no sentido de ser um trabalho mais voltado para o resultado, não dispensasse o controle de jornada.
A solução veio oficialmente em setembro de 2022, com a publicação da Lei 14.442, que regulamentou o teletrabalho e alterou as regras do auxílio-alimentação, dentre suas disposições, ficando definido, por exemplo, que a mera presença do funcionário em alguns dias na empresa não iria descaracterizar o regime de home office, a aplicação das convenções coletivas de acordo com a lotação a qual o funcionário estava vinculado, e não o local em que exercia suas atividades, e a possibilidade de adoção do regime por estagiários e jovens aprendizes.
Sem prejuízo de aprofundarmos essas alterações em outro texto, em relação ao controle de jornada houve uma mudança muito relevante. Os legisladores optaram em criar três modalidades distintas:
- Teletrabalho por jornada-> Como por exemplo, o trabalho de um auxiliar administrativo que, apesar de estar trabalhando de forma remota, a natureza de sua atividade é idêntica ao trabalho presencial.
- Teletrabalho por tarefa -> Como por exemplo, o trabalho de um design gráfico que é contratado para fazer um projeto, com prazo definido para cumprir a tarefa.
- Teletrabalho por produção -> Como por exemplo, o trabalho de um montador de peças de computador, que recebe sua renumeração de acordo com o número de peças concluídas e enviadas para empresa.
A exceção legal de dispensa de controle de jornada que abrangia todo qualquer regime de teletrabalho ficou limitada ao teletrabalho por tarefa e o teletrabalho por produção.
Em outras palavras, as empresas passaram a ser legalmente obrigadas a realizar o controle de jornada no regime de teletrabalho dos funcionários que desenvolviam suas atividades normalmente no ambiente remoto, com salário fixo mensal, tal como o assistente administrativo, auxiliar de escritório e o analista.
Se a necessidade de controle de jornada antes era uma dúvida, virou uma certeza.
Assim, caso o empregador possua funcionários que trabalhem no regime de teletrabalho (home office) por jornada, conforme características mencionadas acima, é de suma importância que providenciem os meios necessários para que seja realizado o controle de jornada, sob pena de agravamento de risco em demandas trabalhistas envolvendo horas extras, intervalos e o descanso semanal remunerado.