Ao realizar a análise dos documentos probatórios de um processo, tenho que a maioria dos operadores do direito procura, instintivamente, todos os pormenores processuais capazes de extingui-lo, motivados tanto pelo ímpeto de defender vossas teses da temida extinção com resolução de mérito, quanto pela ânsia da vitória que, para muitos, vem acompanhada de tal sentença.
De todas as prejudiciais de mérito assimiladas as preliminares processuais, destaco, com a devida vênia, a incidência da prescrição. Contudo, e como em todas as matérias de direito, o exercício prático de qualquer tese demanda o imprescindível conhecimento teórico por trás de sua construção.
Historicamente, o seguro surge com o desenvolvimento das navegações e da exploração territorial realizada pelos europeus, como mecanismo idealizado para reparar ou amenizar as perdas comerciais. Com a natural evolução dos contratos, o seguro passou, também, a garantir as perdas da vida em si.
Naturalmente, com a consumação do risco segurado e configurado o dever indenizatório, o descumprimento dos termos contratuais faz nascer para o titular do direito violado o que chamamos de pretensão, que será extinta pela prescrição. Mas, afinal, o que é a prescrição?
Creio que se faz necessário citar, então, uma das heranças jurídicas que nos foi deixada pelos Romanos, contida na seguinte máxima: o direito não socorre aos que dormem. Em outras palavras, o exercício de um direito não pode ficar pendente, de forma indefinida, no espaço-tempo jurídico. O titular da pretensão deve, então, exercê-la dentro do prazo determinado por lei.
Logo, a prescrição da pretensão é a consequência natural da inércia do titular do direito violado, sendo o castigo jurídico aplicado aqueles que são negligentes com seus direitos e suas pretensões. É, então, a extinção da pretensão. Não é falar que o direito simplesmente deixa de existir, pois apenas perde sua proteção jurídica, de forma que não pode ser reivindicado ou solucionado.
Estabelecida de forma generalista no artigo 205 do Código Civil, e de forma específica no artigo 206, o qual foi desenvolvido pelo Professor Ângelo Amorim Filho, a prescrição está associada, de forma inovadora, as ações condenatórias que versam sobre direitos subjetivos e próprios das pretensões pessoais. Contudo, muitas são as interpretações jurisprudenciais e doutrinárias acerca do início do prazo prescricional.
Savigny, um dos mais renomados juristas alemães do século XIX, desenvolveu, ao estudar o Direito Romano, a teoria da actio nata, que relaciona o início da prescrição a indispensável determinação do seu ponto de partida. Isto é, a condição da ação surge a partir da violação do direito, sem a qual não será possível reivindicá-lo ou negligenciá-lo.
O Superior Tribunal de Justiça, contudo, adota a teoria da actio nata com um viés subjetivo/liberal. Para a corte, o prazo prescricional só pode ter início com o conhecimento da violação ou lesão ao direito, entendimento que restou concretizado nas Súmulas 278 e 573, e foi reforçado com a segunda parte do enunciado nº 14 da CJF/STJ[1], in verbis:
”1) O início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo;
2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer.”
[1] https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/660
Assim, ao trazer tal assunto para o direito securitário, é importante ressaltar que nas ações de cobrança de seguro que também são ajuizadas em face da Estipulante, e nas quais o prazo prescricional ânuo já foi superado, é corriqueiro o argumento de que a Estipulante não cientificou o segurado acerca do prazo prescricional ânuo ou, ainda, que não lhe repassou a negativa administrativa do seguro, de forma que o segurado não tinha ciência da violação do direito.
Contudo, apesar da obrigação de realizar o pagamento da indenização securitária recair apenas sobre as seguradoras – por ser ela a administradora do fundo comum do seguro – o cotidiano sempre nos surpreende com suas possibilidades. Uma delas é o ajuizamento da ação de cobrança de seguro em face, apenas, do Estipulante.
Sem embargos ao motivo que levou a tal situação, trata-se de ação condenatória, vinculada a direito subjetivo e próprio de pretensão pessoal, sobre a qual deve incidir alguma espécie de prazo prescricional. Resta ao operador do direito aplicar ao caso concreto uma das possibilidades previstas nos artigos 205 e 206 do Código Civil.
Tem-se, portanto, a seguinte situação problema: se o Estipulante for parte do polo passivo, qual o prazo prescricional que se aplica?
A resposta é mais simples do que se imagina, e está no contida no artigo 206, §1º, II, b), do Código Civil:
“Prescreve, em um ano, a pretensão do segurado contra o segurador, contando o prazo da ciência do fato gerador da pretensão
O raciocínio lógico é o seguinte: se o seguro de vida é contratado pelo indivíduo para proteção financeira contra adversidades da vida, e ele é também o titular da pretensão e é quem deve, consequentemente, ajuizar a ação de cobrança de seguro e, tendo em vista que a pretensão do segurado está sujeita ao prazo prescricional ânuo, tem-se que qualquer ação ajuizada pelo segurado irá prescrever em 1 (um) ano, seja contra a seguradora ou contra o Estipulante. O artigo 206 é, portanto, taxativo quanto as ações dos segurados, de forma que não existe motivo legal ou lógico para que a prescrição afete o Estipulante de forma diferente.
Assim, arremata-se o presente artigo com a seguinte conclusão: o prazo prescricional em ações do segurado contra a seguradora é de um ano, assim como em ações do segurado contra a Estipulante.